DOIS GATOS PARVOS

depois de uma noite calma
repleta desses pequenos sonhos
ligeiros e agradáveis
leves como chuvisco roçando a janela
achei que já era tempo de acordar
e achei isso por um bom tempo
 
uma pequena eternidade, consumida
vigiando o caminhar da luz pelo quarto

e as vespas construindo seu ninho no teto

até que o corpo decidisse ceder
abandonando em covarde submissão
essa gravidade acomodante
e forçar suas engrenagens pré-históricas
contra o véu quente da penumbra
 
mas, por fim, espanei a preguiça
e dois gatos gordos e folgados
duas mantas peludas e manhosas
que, sem disfarçar sua contrariedade
apenas se deixaram rolar
do meu corpo até o tapete
 
parvos e mal humorados
se afastando em silêncio ressentido
em passos pesados e vingativos
(quem tem gato há de entender)
sem aceitar que a vida é boa
mas, se ela tudo dá
algum dia, tudo tira